Tocaia Grande

 

Este é mais um livro da série: “o título me dava medo” (podem rir). Não era aquele super medo do tipo nunca leria mas eu tinha sim um certo receio. Pelo nome eu tinha a impressão que ia ser um derramamento de sangue geral. Tem sangue mas é muito menos do que eu imaginei. De fato tudo começa com uma grande tocaia. Mas o que Jorge Amado apresenta ao leitor é, na verdade, como este lugar que carrega a marca do sangue se transforma em uma cidade. Como as pessoas pessoas vão chegando e lá ficando, se organizando, formando um sentimento de coletivo, de comunidade.


Assim como um lugarejo que parte do nada o livro vai ganhando movimento e ação a medida que o tempo passa (no caso a medida que passamos cada página). São muitos personagens que vão chegando, talvez seja uma das obras de Jorge Amado com mais personagens que já li até agora (e o que esperar de uma história que conta como uma cidade se formou?). São sujeitos que trazem suas individualidades e nelas  e com elas formam um sentimento de solidariedade e pertencimento. E assim Amado  mostra que a formação de uma comunidade (da menor a maior) não é marcada pela homogeneidade e sim pela pluralidade de ideias, formações, tipos diversos que encontram ali um lugar de pouso e de construção de vida. Tocaia Grande é um lugar esquecido por muitos mas que acolhe aqueles todos que lá procuram abrigo.


São jagunços como o capitão Natário, migrantes como o ‘turco’ Fadul e os sergipanos, que vão chegando expulsos de outras terras, são as mulheres da vida… todos (re) construindo suas vidas e construindo aquele lugar do seu jeito. Estes personagens não são fortes apenas na ficção. No posfácio, apresentado na edição da Companhia das Letras, o escritor moçambicano* Mia Couto afirma que Tocaia Grande chega a seu país natal no momento em que seu povo vivia “o sentimento épico de criar um espaço que fosse nosso não por tomada de posse mas porque nele podíamos encenar a ficção de nós mesmos, enquanto criaturas portadoras de história e fazedoras de futuro”.  O que Jorge oferecia aos moçambicanos, diz ainda Mia Couto, “era um modo de inventar uma nação. Dessa estratégia de sonhar um país carecíamos nós, sujeitos a uma longa dominação colonial”.


No cenário do livro há uma terra que se desenvolve economicamente a partir do cacau no início do século XX, menos de quarenta anos depois da abolição da escravatura e da proclamação da república. Como em muitas obras de Jorge Amado, a data não está explícita no livro mas há indícios dela (certas falas, um gramofone…). Há também um distanciamento temporal entre a data em que tudo se passa e a data em que esta história chega aos leitores: sua publicação acontece em 1984.


*A guerra de independência de Moçambique aconteceu entre 1964 e 1974 e resultou em uma independência negociada em 1975.


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