As memórias do livro

Um romance sobre um manuscrito sagrado que reaparece em Sarajevo depois da guerra que assolou a região. Mais um daqueles livros que mistura ficção e realidade. Demorei para pegar este livro para ler. Já peguei ele algumas vezes em livrarias mas tinha um certo receio de começar sua leitura. Acho que foi pela proximidade temporal desta guerra. Lembro de ver notícias na televisão falando sobre ela e, como em qualquer guerra, as imagens não eram boas. Essa proximidade me faz demorar para ler algumas coisas.


Na obra de Geraldine Brooks (a edição que li foi publicada pela Editora Ediouro) a personagem Hanna Heath é uma conservadora de livros que é chamada pela ONU para restaurar e analisar a Hagadá de Sarajevo encontrada depois do conflito que assolou a região, na década de 1990. A Hagadá é um texto sagrado dos judeus que os acompanha em cerimônias da Páscoa. Esta obra, uma das mais antigas do mundo, contrariava as restrições impostas pelos judeus com relação às ilustrações.

Hanna colhe, em Sarajevo, evidências que a levarão a contar a história do livro que sobreviveu a cerca quinhentos anos de perseguições e conflitos e ao longo deste tempo foi ganhando elementos vindos de culturas e tempos diferentes. As pesquisas de Hanna mostram que cristãos, muçulmanos e judeus contribuíram de maneira direta, na criação da obra, ou para com sua segurança pois a obra foi procurada em diversos momentos da história desde a sua criação, passando pelo período nazistas já no século XX e durante o cerco a cidade já nas portas do século XXI. A colaboração, então, é uma palavra que está impressa física e simbolicamente na Hagadá.

Destaco aqui duas percepções que o livros me apontou mas que, talvez, não estivessem nas intenções da autora. A primeira é como a rede de contatos da personagem a levaram para este caso e a solucioná-lo. Foi um antigo professor que a indicou e ela precisou de muitos colegas espalhados por vários países para análises e busca de diversos tipos de informações.  Mas não é só para o trabalho que o networking contribui. No caso do livro salvar a própria vida podia depender de quem se conhecia. Então, quando falam que networking é importante vale pensar em como os livros de literatura também mostram isso.

A outra questão é como livros e bibliotecas costumam ser alvo de ataques sempre que há conflitos. Lembro que um professor meu uma vez, falando de memória e história, disse que ao fazer esse tipo de ataque um dos lados do conflito (normalmente o invasor) procura apagar a presença do outro e acaba por apagar todo o conhecimento e a memória presentes naquele local.

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